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MOSQUITO DE ÁGUA PARADA

Ontem eu estava lembrando de uma conversa que tive com uma amiga que fiz na ultima empresa que trabalhei. Era uma indústria relacionada ao mercado de construção civil, eu trabalhava no projeto, ela trabalhava na linha de produção. O ambiente da fábrica era completamente insalubre, sem qualquer consideração aos direitos humanos, as pessoas trabalhavam em um ambiente escuro, de pé, durante 10 horas, fazendo movimentos repetitivos, sem direito a conversas, pausas para lanches ou distrações. A pausa para ir ao banheiro ou para beber água era cronometrada.

Em meio a tudo isso, o salário e benefício eram extremamente baixos para a quantidade de estresse que as pessoas eram submetidas, um total descaso aos funcionários que "vestiam a camisa da empresa", alguns com 30 anos de casa.

Essa minha amiga não estava a tanto tempo na empresa, era novata, trabalhava lá somente há 6 anos, sua mente estava totalmente saturada por conta do ambiente, igual a de todos.

Almoçavamos juntos todos os dias, já aproveitavamos e faziamos ali mesmo nossa sessão de terapia, uma mistura de reclamação com ódio e uma pitada de indignação, tudo misturado em uma vasilha de depressão e assédios trabalhistas. Em um almoço, em meio a tanta reclamação, eu me cansei, bati na mesa e disse "Cansei, vou sair desse hospício o quanto antes", então minha amiga me olhou com um olhar de surpresa, ficou em silêncio, olhou para baixo e então disse: "Porque? Se você fizer isso, vai perder os seus direitos. Você já tem 2 anos de empresa, vai jogar fora o seu seguro desemprego, faz de tudo para eles te mandarem embora. É o que eu estou fazendo".

Indaguei falando que a minha saúde mental era infinitas vezes mais importante do que esse dinheiro, afinal, aquele lugar estava me mudando. Eu estava ficando pessimista, desanimado, não conseguia mais me concentrar em tarefas simples, não tinha mais energia para ter uma vida fora da jornada de trabalho. Mas mesmo com minha indagação, ela manteve a mesma opinião, e então complementou: "Você já reparou que todos os dias algum funcionário da fábrica falta? Todos estão fazendo isso, estão fazendo de tudo para serem mandados embora."

Ouvir aquilo foi um choque, as pessoas estavam se privando de procurar algo melhor por conta de uma bonificação "garantida". Eu sei que existem realidades e realidades, mas após essa conversa com ela, entrei em contato com outros funcionários, e todos confirmaram que estavam fazendo isso. Alguns me relatarem que surgiram oportunidades melhores de trabalho, com o salário um pouco melhor, mas com condições muito melhores de trabalho, e em meio a isso, recusaram essas propostas, justamente por esperarem a empresa mandar eles embora.

Por trabalhar no projeto, eu tinha acesso a membros decisores da empresa, e em alguns momentos os questionava do porquê não mandarem embora os funcionários que faltavam tanto. A resposta: "Nossa política é não mandar ninguém embora, se estão insatisfeitos, que peçam as contas." Mesmo a empresa estando com seus prazos atrasados, mesmo tendo uma média de 30% de falta semanal, mesmo vendo a qualidade de seus produtos caírem por conta desse protesto, mesmo assim, "NÃO MANDAMOS NINGUÉM EMBORA".

Não fiquei muito mais tempo lá, fiz de tudo para sair daquele poço, mas junto veio o questionamento, por que as pessoas se sentem tão confortáveis em estar desconfortáveis? Porque é mais aceito, confortável e valoroso você se submeter a práticas, situações e lugares que te prejudicam, ao invés de sonhar, buscar crescer, se conhecer e evoluir?

Não sei a resposta, espero que alguém que tenha lido esse desabafo possa entrar em contato e me explicar. Só sei que prefiro morrer e renascer todos os dias em busca da minha felicidade do que somente existir.

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Texto e fotografia: FELIPE MUNIZ

 
 
 

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